domingo, julho 10

Guitarra portuguesa história de um instrumento de origem cortesã





Há tempos, fui abordado para escrever uma rubrica sobre um assunto polémico e delicado: o Fado.
Como amante do fado que sou, é evidente que me senti lisonjeado com tal distinção, embora sabendo que existem tantos amantes desta canção que apresentariam um currículo mais aliciante e favorável à escolha.
Aceitei mesmo assim o desafio, até porque ele veio ao encontro a um horizonte cultural que sempre pretendi dilatar, ponderando os prós e os contras, aventurei-me a dar uma opinião embora sumária sobre este assunto.
Ao iniciar esta rubrica, um problema de ordem cronológica deparou-se-me, escrever sobre fado como música e canto, ou fazer primeiro, uma abordagem à guitarra portuguesa.
A razão é simples, este instrumento de origem cortesã não consta ter sido mobilizada pelo Fado quando do seu aparecimento, embora não se possa dissociar o Fado da guitarra portuguesa. É um casamento perfeito.
Sem qualquer pretensão de investigador, começo por situar o primeiro método de estudo para guitarra, de António da Silva Leite, mestre de capela da cidade do Porto, onde nasceu a 23 de maio de 1759 onde veio a falecer a 19 de janeiro de 1833 com 74 anos. Silva Leite consagrou-se como músico erudito de grande sensibilidade.
Aos 28 anos abandonou os estudos eclesiásticos depois de ter recebido as ordens menores, talvez não tivesse sido alheio a esta vocação uma ilustre senhora de Taverede D. Antónia Magdalena de Quadros e Sousa, digníssima dama a quem o mestre de capela dedicou o estudo de guitarra em que se expõe o meio mais fácil para aprender a tocar este instrumento.
Este método foi publicado no dia 15 de março de 1796 e pode afirmar-se que fica uma data simbólica da nacionalidade de um instrumento inglês chamado cistre, ao qual Silva Leite chamou guitarra portuguesa. O preço de venda do opúsculo era 1.200 réis, e divide-se em duas partes: a primeira é sobre as técnicas utilizadas e as afinações, e a segunda sobre as melodias que podiam ser tocadas por este instrumento palaciano como minuettos, marchas, allegros, contradanças e os acordes mais simples para iniciados.
Em 1814 editou um “Tanto Ergo” a quatro vozes, que ainda hoje se pode ouvir em solenidades religiosas.
A guitarra de Silva Leite, segundo o meu amigo, o investigador e musicólogo José Lúcio Ribeiro de Almeida, um dos sócios fundadores da Associação Portuguesa dos Amigos do Fado, tinha
dez cordas distribuídas por seis ordens, onde as quatro primeiras eram duplas e a quinta e sexta simples, em bordão.
A afinação que Silva Leite usava na sua guitarra era a seguinte: Sol – Mi – Dó – Sol – Mi - Dó, afinação dada das cordas mais finas para as mais grossas. O sistema de afinação era mecânico em “leque” por chave de relógio e a escala do instrumento só tinha doze trastes (“trastes ou pontos”).
Atualmente, a guitarra de Lisboa tem doze cordas emparelhadas em seis ordens duplas e afina da aguda para o grave: Si – Lá – Mi – Si – Lá – Ré -.
A Guitarra de Coimbra, por seu turno, afina um tom a baixo da de Lisboa: Lá – Sol – Ré – Lá – Sol - Dó -, o que lhe confere uma  sonoridade mais toeira, mais “grave”, tendo uma técnica de tocar muito diferente da de Lisboa.
Foi longo o percurso das modificações efectuadas pelos guitarreiros desde a guitarra de Silva Leite ao actual, e tal como um fado vivido que nos alcança e não o desvendamos completamente.
Em qualquer país civilizado, onde a cultura é sentida pelos seus governantes, seria motivo de homenagem ao homem que conferiu a certidão de nascimento a um instrumento tão querido ao povo lusíada, que sempre cultivou a arte de a dedilhar e ouvir. Este instrumento tão régio, como popular, em que povo escreveu toda a sua história em música e poemas narrativos das classes sociais que necessitam ser ouvidas.
Em 1922 surgiu o quinzenário de literatura e poesia porta-voz do fado Guitarra de Portugal, propriedade do poeta João Linhares Barbosa, que elegeu a guitarra portuguesa como expressão
conseguida da nossa sensibilidade nacional.
Estaremos a eternizar uma mensagem histórica. Uma identidade a preservar.
Luis de Castro
Presidente do Concelho Fiscal da Associação Portuguesa dos
Amigos do Fado

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